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Os 90 anos da "Crise de 1929"

  • Foto do escritor: Fábio Monteiro
    Fábio Monteiro
  • 22 de jul. de 2022
  • 8 min de leitura

RESUMO: O presente artigo foi especialmente elaborado para o Portal "Politize!" (14 de fevereiro de 2019) para analisar os 90 anos da segunda grande crise econômica do liberalismo, a também chamada de "Crack da Bolsa de NY". Como de costume, a análise a seguir segue corrente com uma bibliografia e uma filmografia a respeito dos temas.


As discussões a respeito das relações entre Estado e mercado têm conquistado cada vez mais audiência no espaço público brasileiro. A clássica citação liberal a respeito da “mão invisível do mercado” acaba evocando questões de outras dimensões: seria mesmo ela invisível? Se sim, quais seriam os seus limites? E quanto ao Estado, esse agente administrador de riquezas públicas, o que compete a ele? A primeira grande crise econômica mundial celebra 90 anos de idade em 2019 e pode dizer a respeito do nosso mundo contemporâneo. Vamos conhecer isso melhor?


THE GOLDEN TWENTIES

No começo do século XX norte-americano, Jakie Rabinowitz era um jovem educado para ser rabino dentro de uma rigorosa família judaica. De seu pai, ele havia herdado o gosto e o talento para a música, porém a sua afeição pelo jazz o colocou em rota de conflito com as tradições familiares. Em seu “História social do jazz”, o historiador britânico Eric Hobsbawm destaca que esse estilo musical foi a síntese do espírito blues e gospel da cultura afro-americana que encontrou nos instrumentos clássicos europeus uma voz singular nos EUA de fins do século XIX.

Rabinowitz enfrentou a família, lutou pelo seu sonho e se tornou um cantor de jazz na nascente boêmia metropolitana estadunidense. Ruas esfumaçadas, vitrines repletas de chapéus, cartolas, vestidos e perfumarias segundo as tendências da moda, o frenesi urbano entrecortado pelos inéditos carros produzidos pela Ford Company e as conversas à boca pequena nos cafés e bares embaladas pelos jornais impressos diários provocavam uma euforia sem precedentes no pós-Guerra americano.

A Times Square próxima da Rua 42: o otimismo encontrou nos filmes de Hollywood importantes aliados na veiculação do estilo de vida pautado numa sociedade do consumo.


A história de Rabinowitz é o filme “O cantor de Jazz”, um clássico que, em 1927, expressava não somente o nascente espírito do “american-way-of-lilfe”, mas também um novo mito social norte-americano, o do “self-made man”. O pano de fundo da história almejava veicular um novo sentimento pelas salas de cinema do país: a crença de que a sociedade de consumo era sinônimo dos novos tempos. E, nesse cenário, a associação entre trabalho e dignidade social, entre produtividade e ascensão social deu um novo relevo ao culto da individualidade como um valor moderno.

O livro “A história dos Estados Unidos”, organizado por Leandro Karnal, é uma ótima leitura sobre o tema e nele encontramos algumas estatísticas que nos permitem entender melhor as causas da crise econômica de 1929, afinal os Estados Unidos tinham acabado de sair vitoriosos de uma Grande Guerra mundial que assolou o território europeu. Diga-se de passagem: uma guerra bárbara cujos interesses políticos e militares fizeram questão de confundir soldados e civis, mas que não ameaçou o território o norte-americano.

Assim, a 1º Guerra acabou sendo um importante combustível para a expansão econômica dos EUA: a produção industrial aumentou mais de 60%, a renda per capita subiu mais de 30% e o índice de desemprego permaneceu em torno de 8% do total da força de trabalho até a Crise de 1929. O aumento demográfico acompanhou os índices econômicos e a população saltou de 106 para 123 milhões durante as duas primeiras décadas do século XX. Um último dado importante a respeito desse cenário diz respeito à presença das mulheres no conjunto da sociedade: o trabalho feminino teve aumento de 22% durante a década de1920, um resultado associado das crescentes lutas sociais pela emancipação feminina com a euforia econômica.

Naquele momento, a nação norte-americana assistiu a uma sucessão de presidentes republicanos: Harding, entre 1920 e 1924; Coolidge, entre 1924 e 1928 e Hoover, entre 1928 e 1932. A euforia econômica tinha, então, um importante componente político: a crença na redução do papel interventor do Estado foi acompanhada de medidas de flexibilização das regras do mercado. Dessa maneira, houve inúmeras fusões de empresas e corporações, assim como integrações de agentes financeiros. O efeito era previsível: o aumento da concentração de renda e, portanto, das desigualdades sociais.

Nas cidades, enquanto os salários tinham um aumento real em torno de 1,45 ao ano, os rendimentos dos acionistas e especuladores financeiros chegavam a margear os 16% ao ano. Ainda por contraste, enquanto as estatísticas oficiais consideravam que um salário de 1,8 mil dólares anuais seria adequado para uma vida decente, o patamar médio era de 1,5 mil dólares, sendo que cerca de 6 milhões de pessoas – algo como 42% da população – ganhavam menos de mil dólares anuais.

A rua Mulberry em Lower East Side: as periferias urbanas viviam o avesso da euforia econômica: mulheres assumiam dupla ou tripla jornada para complementar a renda familiar, enquanto a população negra organizava seus primeiros comitês políticos na busca de inclusão social.


Os avanços tecnológicos também tiveram impactos sobre o mundo rural e o processo de mecanização do campo levou mais de 3 milhões de pessoas em direção às cidades em busca de trabalho e condições de vida. O filme “Vinhas da Ira”, um clássico de John Ford com a presença de Henry Fonda, expressa bem a atmosfera social dessa época. Enfim, como se pode notar, os anos vinte reluzia com diferentes intensidades dentro da sociedade norte-americana.


UMA QUINTA-FEIRA EM 24/10/1929

Nesse dia, as mais de 3 milhões de cabeças que estavam sintonizadas nas compra e vendas de ações em Wall Street amanheceram percebendo algo estranho: havia um enorme volume de ações à venda e, portanto, os preços despencavam. Direto daquele nervo financeiro, as notícias feitas pelas transmissoras de rádio informavam que a velocidade das negociações caíam, o que era um sinal de precaução, ou melhor, de desconfiança por partes dos “players”. Em outras palavras, os comportamentos humanos começaram a vacilar diante do que antes era dado como certo e rentável: as negociações de ações de bancos, lojas, instituições e empresas como Ford e General Motors.

Ao som de “extra, extra” – algo bastante inusitado para a época, os locutores informavam que a Bolsa de Nova York caía mais de 30%. Para conter o pânico dos mais de mil membros de Wall Street, foram mobilizados mais de 400 policiais. Em 36 horas, a General Motors perdeu 22% de seu valor de mercado e dentro de dois dias foram noticiados onze suicídios pelos jornais escritos.

Acima, uma fotografia de uma ‘hooverville’: a crise econômica deflagrou o avanço das favelas pelas cidades do país. As “vilas de Hoover” tinham esse nome em referência ao impopular presidente republicano, Edgar Hoover.


O presidente republicano Hoover levou tempo para se pronunciar e quando o fez, chegou a subestimar a ocorrência ao afirmar que a crise duraria cerca de três semanas. A realidade foi mais dura e longeva: seus efeitos se estenderam por três anos, sendo que a produção industrial caiu próximo da metade e o PIB do país diminuiu a um terço. Quanto à sociedade, os números ainda dizem muito: até meados de 1932, cerca de dois mil bancos faliram; a Ford Motor Company, símbolo maior da época, viu o número de funcionários cair de 128 mil para 37 mil e, em escala global, o índice de desempregados permaneceu em torno de 25% do total da população – algo como 15 milhões de pessoas.

Em seu livro “A Era dos extremos”, Hobsbawm informa sobre o impacto global da crise registrando que, em escala europeia, os índices de desemprego e desindustrialização atingiram uma amplitude semelhantes aos números norte-americanos. O caso mais grave teria sido o da Alemanha, onde cerca de metade da população ficou sem emprego até meados de 1930. Em síntese, a expressão “hard times” - que serviu de título ao livro de memórias do radialista Stud Terkel – ganhou a história como um sinal daqueles anos 1930. A interpretação de Bob Dylan à canção homônima evidencia a dimensão dramática da época.


O NEW DEAL E O ESTADO COMO INDUTOR ECONÔMICO

Em 1932, o democrata Franklin Delano Roosevelt venceu as eleições depois de doze anos de hegemonia republicana. Dentre as promessas de campanha, estavam a recuperação agrícola e industrial do país, a defesa da regulação do sistema financeiro e medidas que criassem redes de assistência social aos setores mais desamparados.

Dono de grande habilidade política, Roosevelt chamou à mesa de negociação sindicatos, patrões, financistas, empresários e setores burocráticos do governo tendo em vista conciliações em torno dos ajustes e limites de preços e salários, assim como planejamento de ações de investimentos em obras públicas.

Acima, um cartaz da série de publicidades destinadas a popularizar os benefícios do New Deal. A foto frontal da senhora é acompanhada dos seguintes dizeres: “Para maior segurança da família americana – a viúva de um trabalhador qualificado receberá benefícios mensais até os 65 anos. Em certos casos, parentes de idade também serão contemplados”.


O marketing político foi bem-sucedido: apresentado como “New Deal” e tendo como apelo noções em torno da ideia de justiça social, o novo acordo foi implantado em duas etapas, sendo que a segunda foi mais radical em seus propósitos: adotou medidas de taxação de fortunas privadas, incentivou à sindicalização dos trabalhadores – para atribuir aos sindicatos certos compromissos sociais; desenhou propostas de previdência social para desempregados, deficientes e idosos.

Apesar de modestos, os impactos sociais garantiram a estabilidade das condições de vida da população e diminuiu o índice de desemprego, que se manteve entre 10% e 7% até a Segunda Guerra Mundial. Em linhas gerais, o plano tinha um projeto claro: tornar o Estado um indutor econômico. O balanço do governo Roosevelt havia concluído que, dentre as causas da Crise de 1929, estavam três grandes fatores; a baixa diversificação da economia nacional, a grande disparidade na distribuição das riquezas sociais e a alta dependência dos bancos para sistemas de crédito.

Sendo assim, o Estado injetou investimentos em obras públicas de infraestrutura como rodovias, hidrelétricas, pontes e viadutos. Também assumiu riscos financeiros de longo prazo baixando taxas de juros e subsidiando investimentos e, por fim, impôs limites às agências bancárias para evitar que, novamente, as negociações de ações ficassem à mercê de empréstimos e de especulações financeiras. A recuperação definitiva do “sonho americano” só veio, de fato, com a presença dos Estados Unidos na 2º Guerra Mundial, mas isso já assunto para nosso próximo artigo.


CODA: AS CRISES ONTEM E HOJE

Em 2008, os Estados Unidos protagonizaram mais uma vez uma crise econômica de escala planetária: as especulações financeiras em torno dos “subprimes” provocou a falência do Lehman Brothers, um banco de investimentos com 158 anos de história, deixou mais de 20 milhões de pessoas sem casa no EUA e, ao fim, custou mais de US$ 2 trilhões aos cofres públicos do governo norte-americano.

Dentre as diferenças entre 1929 e 2008, pode-se começar dizendo que, enquanto aquela teve como epicentro o setor produtivo dos EUA, a de 2008 se irradiou do setor financeiro. As suas relações podem ser compreendidas através de dois filmes. Vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2010, o filme “Trabalho Interno” se esforça para explicar da maneira mais clara possível o universo do “economês” comum às duas crises.

Já o filme “A grande aposta”, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, é composto por grandes estrelas que interpretam a história real de Mike Burry, um gênio que, prevendo o colapso financeiro americano, apostou contra o mercado e fez fortuna junto com o corretor Jared Vennet.

Quanto à atualidade de programas como o New Deal na atualidade, os estudos de André Singer têm tido recepção no debate público brasileiro. Ao analisar a inserção do Brasil em meio aos impactos dessa crise mundial, o autor desenvolve a ideia de um “sonho rooseveltiano” em andamento durante o Governo Lula (2002-2010) tendo em vista o papel do Estado como um indutor econômico. O conceito é passível de discussão, porém o intenso diálogo que procura estabelecer entre o passado e o presente o torna uma referência bastante atual.


BIBLIOGRAFIA

KARNAL, L. História dos Estados Unidos – das origens ao século XXI. [et al.] SP: Contexto, 2007.

HOBSBAWM, E. A Era dos extremos – o breve século XX, 1914-1991. SP: Cia das Letras, 1995.

SINGER, A. Os sentidos do lulismo. SP: Cia das Letras, 2012.


FILMOGRAFIA

“Mrs Smith vai para Washington”, Frank Capra, 1939

“O cantor de jazz”, Alan Crossland, 1927;

“O pão nosso”, King Vidor, 1934;

“Tempos Modernos”, Chas Chaplin, 1927

“Vinhas da Ira”, John Ford, 1940;


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