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Eduardo Coutinho, 7 de outubro: o narrador e sua figura

  • Foto do escritor: Fábio Monteiro
    Fábio Monteiro
  • 20 de jul. de 2022
  • 4 min de leitura

RESUMO: O presente artigo foi produzido especialmente para o site Incinerrante de meu colega Marcelo Ribeiro (FACOM/UFBA), em 08 de novembro de 2014. Nele eu proponho uma breve análise do filme Eduardo Coutinho, 7 de outubro, realizado por Carlos Nader.



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Impropérios, ultrajes, descompostura e outras categorias de baixo calão que nunca tiveram chance no universo diegético do documentarismo. É em meio a palavras desse teor que Coutinho se aproxima e toma seu lugar no cenário preparado por Carlos Nader para realizar a entrevista. “Trata-se de inverter o jogo”, eis o contrato de “Coutinho, sete de outubro”.

PRISÃO. Nader coordena a própria equipe de Coutinho e opta por uma estratégia recorrente no jogo da equipe: tornar evidente a “prisão” escolhida para o filme. É a prisão que garante a total liberdade para o realizador. Em outras palavras, trata-se de demonstrar desde o começo do filme o dispositivo preparado para a realização do processo de filmagem. Dessa forma, o cineasta consegue desenvolver suas conversas de modo firme e compromissado, “sempre olhando no olho do interlocutor”. Nader opta pelo “tête-à-tête” e contrapõe-se à cadeira de Coutinho munido de um laptop carregado com várias sequências de seus filmes. Duas câmeras os acompanham de forma a registrar os corpos em ação, pois é o corpo quem fala, ele é a origem de todas as coisas, afirma Coutinho.

RABUGICE. Os primeiros momentos do filme demonstram aquilo que já conhecíamos através de entrevistas e depoimentos escritos de seus colegas de trabalho: um sujeito velho e rabugento que reclama constantemente da saúde. Um fumante inveterado que seria capaz de reavivar diferenças e choques de opiniões após anos, conforme conta Berg em livro organizado por Ohata: Coutinho “ficou puto” quando ela e a assessora de edição apareceram no estúdio com máscaras de pedreiro a fim de evitar o cheiro do fumo (1). Apesar desse pessimismo diante da vida e logo no começo do filme, Coutinho assume a conversa zombando daqueles que afirmam que o cinema deve ir com profundidade aos temas humanos: foi com “Santo Forte” que ele passou a depurar sua linguagem em busca daquilo que é “superficial, raro, precário”. Tratava-se de realizar um filme não sobre os outros, mas com os outros (2). Daí a relevância da edição com cortes contínuos, pois a única coisa que passa a interessar é o presente da filmagem.

DISPOSITIVOS. A conversa segue através de uma boa tática: Nader exibe algumas cenas dos filmes de Coutinho para desencadear os temas. Vale dizer que esse mesmo dispositivo também foi adotado por Da-Rin em “Hércules 56” e com resultados bem interessantes, pois trata-se de um recurso que, além de estimular a memória pessoal dos interlocutores também ajuda a desdobrar uma série de reflexões acerca dos momentos das filmagens e da natureza fílmica da composição em questão. Tanto é assim que o tema em questão passa a ser o erotismo em jogo na filmagem. A proximidade dos corpos, a intensa atenção, a força da experiência realçada pelos cabelos brancos: basta esquecer-se da câmera e todos esses elementos envolvem acentuam a exclusividade do momento da filmagem. O fundamental, sobretudo, é o exercício de confiança mútua entre o realizador e os seus interlocutores. Ele descreve as distâncias entre ele e algumas personagens, aponta o fato de que, algumas vezes, ele dividiu o quadro com elas e chegou a passar a entrevista com os corpos em contato. Os corpos e os gestos desencadeiam as conversas e os ritmos das narrativas. “Sou um bom provocador, não espero nada”.

EXPERIÊNCIA. Por duas ou três vezes, Coutinho recorre ao Benjamim: “ele deve ter escrito sobre isso, esse troço de palavra adâmica.” Nader e Coutinho debatem “O Fim e o princípio”, filme resultado de uma viagem pelo sertão nordestino. Por ali, ainda é possível encontrar a afinidade perdida entre palavra e objeto, um momento no qual vivência e experiência são equivalentes (3). Um reino coetâneo ao contemporâneo, porém preservado da barbárie moderna em que a linguagem é mobilizada em termos instrumentais. O filme evidencia a coexistência dessas temporalidades. A conversa avança e toma novos rumos sobre a superfície da linguagem, pois em “Peões” o silêncio e, quem sabe, o inaudito, é posto à prova. Coutinho afirma que sabia do sofrimento que o “peão” estava vivendo diante daqueles vinte e três segundos de silêncio, mas mesmo assim aguardava uma saída dele. Um momento agambeniano: é preciso demonstrar as lacunas da tessitura do testemunho (4). Àquela pobreza que seria o indizível é atribuída dignidade pelo registro fílmico: Coutinho compartilha do silêncio e sustenta a escuta para ouvir a questão final “o senhor já foi peão?”

VIDA E OBRA. O filme vem somar um significativo acervo de recentes entrevistas de Coutinho que estão disponíveis na internet. A sua novidade é a linguagem documental e a disposição de Coutinho de falar sobre si mesmo. Assim, o que nos parece notável é o lugar de Coutinho como narrador, uma condição na qual ele demonstra saber que as palavras fundam a vida (5), e que o exercício de escuta é capaz de renovar a humanidade. Porém, mesmo como narrador, ele só é capaz de fazer isso através de suas personagens, “afinal a vida não tem nada a ver com a obra. Eu faço o que faço porque é só neste momento que eu vivo essas coisas.”


NOTAS

(1) OHATA, Milton. Eduardo Coutinho, p. 349

(2) LINS, Consuelo. O Documentário de Coutinho, p. 108

(3) BENJAMIM, W. Experiência e Pobreza, p. 197

(4) AGAMBEN, G. O que resta de Auschwitz, p. 11


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