O "estado da arte" da obra de Guzmán na Cineteca do Chile, 08. ago 2023
- Fábio Monteiro
- 10 de set. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de out. de 2023
RESUMO: O presente texto traz a íntegra da "ponência", a comunicação, que foi feita para apresentar o livro "O cinema de Guzmán" no XII Encuentro Internacional de Investigación de Cine Chileno y Latinoamericano, em agosto de 2023.
Olá, boa noite. É uma satisfação muito grande estar aqui novamente pela quarta vez nesta Cineteca para apresentar as nossas investigações sobre o cinema de Guzmán como um artifício de escrita da história do Chile e da América Latina. Nesta oportunidade, eu gostaria de apresentar a você o meu último livro intitulado “O cinema de Patricio Guzmán...”, que resultou de minha tese de doutorado defendida na PUC/SP em 2022.

Em primeiro lugar, seria interessante dizer que, desde a entrevista a Pedro Sempere em 1977, a participação de Patricio Guzmán na literatura sobre o seu cinema tem sido um tema constante. Desde as publicações de Jorge Ruffinelli (2001; 2008), Cecilia Ricciarelli (2010) e dos livros Filmar o que não se vê (2017) e Batalha do Chile (2020), é possível notar que existe uma sólida literatura sobre a sua filmografia, mas sempre tendo ele ou como protagonista ou como coadjuvante.
O nosso livro vem se somar a este “estado da arte”, porém ele parte de uma análise crítica de um arco narrativo existente ao longo das três trilogias de Guzmán, a saber A Batalha do Chile (1975-1979), aquela de Chile, memoria obstinada (1997) a Salvador Allende (2003) e que chamamos aqui de “trilogia dos testemunhos” e aquela de Nostalgia da Luz (2010) a Cordilheira dos Sonhos (2019) que chamamos de “trilogia da imensidão íntima”, em diálogo com o pensamento de Gaston Bachelard.

A análise fílmica destas nove obras se fez através das contribuições da História, das Ciências Sociais e da Filosofia partindo dos filmes tanto como produções históricas, mas também como obras que produzem argumentos econômicos, sociais, políticos e culturais sobre determinada conjuntura. No caso de Guzmán, vale dizer, foi possível demonstrar como estas três trilogias dialogam diretamente com os debates acadêmicos que envolveram nomes como Tito Drago, Carlos Altamirano, Moniz Bandeira, Sérgio Bitar, Joan Garcés, Tomas Moulián, Carlos Huneeus, Luis Corvalán, dentre outros grandes nomes.
Por exemplo, quando se trata de A Batalha do Chile, o livro procura as respostas para as seguintes questões: que argumentos históricos são desenvolvidos por estes filmes? Como eles analisam as contradições internas da UP? Como Salvador Allende é ali representado? Como ele revela e interpreta as ações antidemocráticas da Democracia Cristã? Em se tratando de um corte de gênero, por que, apesar de serem a minoria numérica dentre as personagens, as mulheres presentes nos filmes são majoritariamente conservadoras? Por que a narração dos filmes sofreu três mudanças ao longo da história e que diferenças existem entre elas? E, por fim, o que ainda está presente nos filmes para que eles permaneçam sendo censurados dentro do Chile?

Em relação à segunda trilogia, nos questionamos, antes de tudo, sobre por que razões o realizador teria empenhado um esforço de auto monumentalização ao longo da escrita destes três filmes? Como as permanências do estado de exceção pinochetista são reveladas pelos argumentos fílmicos? Por que razões o realizador silencia os nomes dos testemunhos presentes na segunda trilogia? E, quando Ricciarelli e Guzmán chamam este conjunto de “trilogia da memória”, é preciso se perguntar: de que memória se está falando quando a maioria das personagens depoentes foram militantes do MIR, mas têm seus passados pessoais valorizados em lugar de suas práxis políticas?
Por fim, a terceira trilogia nos convidou a revisitar as obras de Agamben e Achiles Mbembe para compreender como estes filmes revelam como o neoliberalismo refundou a ideia de estado de exceção normalizando-a pela lógica da empresa individual. A dimensão poética e reflexiva destes filmes foi analisada em diálogo com Gaston Bachelard e Byung-Chul Han para demonstrar como Guzmán desenvolve uma poética das imagens como meio de resistência social e política à economia da atenção da sociedade em rede na qual vivemos. Ao final desta trilogia, a tese de que a sua escrita fílmica também é uma “escrita de si”, ou melhor, um exercício de auto monumentalização se comprova com a retomada dos rolos de “A Batalha do Chile” e com a refundação de sua casa de origem que também abriga os retratos das familiares que o criaram.

Para responder estas questões, foram manejados cerca de 200 filmes que trabalham as memórias sociais latino-americanas relacionadas à crise da democracia ontem e hoje. Em paralelo a isto, tivemos a oportunidade de realizar um balanço historiográfico apontando os avanços e limites das pesquisas até hoje existentes sobre o cinema de Guzmán destacando a sua centralidade na história do cinema mundial.
Dessa maneira, esperamos que este livro seja um importante ponto de reflexão sobre como o Cinema pode ser visto como uma janela de interpretação do nosso estar no mundo e, sobretudo, que ele seja uma chave de entrada para novas pesquisas sobre o cinema latino-americano. Obrigado pela atenção de vocês, um grande abraço!
Palavras-chave: Chile; Allende; Guzmán; 50 anos do golpe chileno; Cinema
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